AMPLIFICANDO THE MATRIX
Autor: Ricardo Kelmer

O Oráculo

Quando Neo está se recuperando, após ter finalmente despertado, Morpheus revela que eles não costumam despertar uma mente após certa idade pois ela simplesmente se recusa. No entanto ele decidira agir assim com Neo porque acreditava que sua busca finalmente terminara. Neo fica encucado com essa história de Predestinado. Depois Tank, o operador da nave, comenta: "cara, se você for mesmo quem dizem que é..." Neo fica cada vez mais encucado. Por fim, Morpheus diz que irá levá-lo para que o Oráculo o veja. Pecebe-se que os integrantes da nave valorizam bastante o Oráculo e têm por ele um forte respeito. Interessante ver a contradição: que diabos um Oráculo, coisa tão arcaica e misteriosa, está fazendo numa era tão tecnológica?

Um Oráculo não passa de um antigo instrumento de auto-investigação psicológica, utilizado por diversas culturas. Concentra-se, formula-se a questão e obtém-se a resposta. Enquanto processamos a ritualística do Oráculo, qualquer que seja ele, o silêncio age em nossa mente e nos põe em contato com o essencial da questão. O filme nos lembra que mesmo num mundo tecnológico como o atual, não podemos perder de vista o nosso centro senão corremos grave risco de nos desequilibrarmos (Zion fica no centro do planeta...). Em "Matrix" os resistentes sabem disso. Por essa razão consultam o Oráculo e respeitam suas previsões.

Morpheus vai com Neo e Trinity. O carro desliza pelas ruas e em silêncio Neo observa a cidade, o movimento das calçadas... Parece vagamente saudoso de sua vida anterior e chega a comentar que comia muito bem num restaurante naquela rua. Pergunta a Trinity o que o Oráculo dissera para ela. Mas Trinity silencia, parece não querer falar sobre isso e o mistério em torno do Oráculo aumenta.

Neo e Morpheus chegam ao prédio, que fica no Brooklin. É um lugar sujo. Passam por um ancião - será ele? Tomam o elevador, compenetrados. No corredor, em frente à porta do apartamento, Morpheus lembra: "eu disse que o levaria até a porta. Você tem de abri-la." Neo pensa um pouco. O espectador também: o que acontecerá dessa vez? Neo estica o braço mas não chega a tocar a maçaneta pois a porta se abre. Uma moça os saúda, pede que fiquem à vontade e diz que logo serão atendidos. Quando enfim Neo é levado à presença do Oráculo, descobre-se que o Oráculo não tem nada demais. É uma senhora quase negra, de meia idade, que o atende de avental, na cozinha. Está ocupada com uns biscoitos no forno e puxa um cigarro para fumar. Tem um rosto que parece familiar a qualquer um que a visse. A mim, particularmente, lembra uma ex-sogra. Fosse no Brasil eu diria até que aquilo que ela está bebendo é uma caipirinha caseira.

Ela diz: "não se preocupe com o vaso." Neo pergunta: "que vaso?" E quando se vira para procurá-lo, esbarra o braço num vaso sobre o móvel e o derruba ao chão, estilhaçando-o. Neo, encucado, pergunta como ela sabia que ele quebraria o vaso. E ela: "o que vai encucá-lo mesmo é isso: se eu não houvesse falado nada, você o teria quebrado?"

A senhora olha atentamente para Neo e diz: "agora entendo porque ela gosta de você". E depois complementa: "você é mais bonito do que eu pensava. Pena que não seja tão esperto." O diálogo que se segue passa a girar em torno da questão que tanto angustia Neo: ele afinal é ou não é o Predestinado? A senhora pede para olhar suas mãos. Depois olha o rosto, abre sua boca. A seguir retorna a pergunta para Neo. Ele diz que não sabe. Ela fala: "lamento mas você não está preparado. Talvez numa outra vida, quem sabe." Neo parece sentir alívio com a declaração. Depois comenta sobre Morpheus e a senhora diz que todos lhe devem muito, que ele é muito importante. E profetiza: "ele acredita tanto nisso que se sacrificará por você. E você terá que escolher: numa mão terá a si e na outra, Morpheus. Um dos dois morrerá". Isso abala Neo que prefere não acreditar.

No final ficaremos sabendo que todas as profecias do Oráculo se realizaram: o Predestinado veio, Trinity apaixonou-se por ele, Morpheus sacrificou-se por ele e Neo teve de escolher entre ele e Morpheus. Escolheu Morpheus e por causa disso morreu. Morreu mas ressuscitou. Talvez numa outra vida..., dissera o Oráculo. Um detalhe interessante a notar é a cena em que Neo, pendurado ao helicóptero por uma corda, segura Morpheus para que ele não caia. Numa mão ele segura a si próprio, na outra Morpheus - a profecia do Oráculo se cumprira literalmente. (rk)

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