AMPLIFICANDO THE MATRIX
Autor:
Ricardo
Kelmer
O
"déjà-vu" e a questão do tempo
Neo
olha pro gato preto e quando olha novamente a cena parece se repetir.
Ele diz para si mesmo: dèjá-vu... Mas os outros escutam e explicam
que um dèjá-vu (sensação de já ter vivido uma certa situação anteriormente)
significa mudança no sistema da Matrix. Na verdade a cena realmente
se repetiu e isso, explica Trinity, acontece sempre que os códigos
da Matrix são alterados. Nesse momento eles estão num prédio e os
agentes da Matrix os localizam. Para conseguir prendê-los, a Matrix
lacra todas as janelas. Essa mudança brusca no programa é que termina
alterando os códigos e faz com que a situação aconteça duas vezes
para Neo, ocasionando-lhe um dèjá-vu (em francês: já visto).
Isso
me faz lembrar de algo que vem me cutucando o pensamento faz tempo:
a questão do tempo. O que é exatamente? O tempo como o sabemos é
uma sucessão de eventos que vêm do futuro, passam pelo presente
e se transformam em passado, tudo isso num fluxo sucessivo, contínuo
e inalterável. Esta noção de tempo linear é comum à humanidade do
sec. XX, ou ao menos à grande maioria dela.
No
futuro estão os eventos que ainda não aconteceram para nós. Por
conta disso, não podemos saber deles até o momento em que efetivamente
ocorrem. Há os que crêem que pode-se vislumbrar o futuro, sabendo
de antemão o que acontecerá. Até aqui nada de novo. No entanto,
na história da humanidade sempre houve evidências de que pode-se
perceber o tempo dentro de uma compreensão diferente. Essa compreensão
seria mais abrangente e iria além da noção de linearidade. Há exemplos
de pessoas que pressentem o futuro e antecipam o que vai acontecer.
Místicos, videntes, paranormais - essas pessoas seriam dotadas de
tal capacidade. Outros acreditam que todos a possuem adormecidas.
De qualquer forma, há sérios indícios de que o tempo pode ser captado
de uma outra forma, entendido sob um outro ponto de vista.
Para
ilustrar o raciocínio, peguemos o caso do "Código da Bíblia"* que
tanto tem provocado polêmica na comunidade científica mundial. Sem
entrar no mérito de sua autenticidade ou não, a hipótese de que
eventos futuros possam estar codificados e registrados num livro,
abre espaço para discutirmos a real possibilidade de que o tempo
não obedeça apenas a uma lógica linear. Se é possível que o futuro
possa ser conhecido de antemão e isso possa verdadeiramente ser
comprovado, então estamos diante de uma nova e instigante maneira
de compreender a natureza do tempo.
As
profecias que se cumprem podem ser entendidas como simples coincidências.
No entanto, elas podem também signficar algo mais profundo: talvez
as profecias sejam um verdadeiro flagrante da falha do sistema linear
do tempo. Essa falha estaria caracterizada pelo conhecimento prévio
dos acontecimentos. No momento em que se acessam esses acontecimentos,
se está quebrando a lógica do tempo linear. Os profetas e videntes
seriam então portais por onde escoa o conhecimento dos eventos futuros.
Através dessas pessoas a humanidade tem acesso à possibilidade de
conhecer aquilo que ainda não aconteceu mas acontecerá.
Ou
não. Será que acontecerá mesmo? Veja o seguinte caso: Clarice tem
um vislumbre do futuro onde um raio cairá sobre um estádio de futebol
durante uma partida e matará muitas pessoas. Clarice guarda para
si a premonição. Uma semana depois um raio atinge um estádio e muitas
pessoas morrem. Podemos entender então que Clarice previu o futuro.
Considere porém uma outra hipótese: Clarice decide alertar a população
e provoca o cancelamento da partida. No dia previsto um raio atinge
o estádio e, como não havia jogo, ninguém morre. Podemos dizer então
que Clarice previu o futuro? Talvez metade dele. A outra metade
(a morte das pessoas) não aconteceu exatamente porque Clarice alertara
a população. Uma conclusão que poderíamos tirar disso tudo é que
se é possível vislumbrar o futuro, também é possível mudá-lo. O
próprio ato de ver o futuro já implica na possibilidade de alterá-lo.
Mas para isso é preciso agir de forma a efetuar essa mudança nos
planos do futuro. Estaríamos então diante da questão dos futuros
hipotéticos: na verdade não há futuro predeterminado, o que existe
são possibilidades de futuro. Uma delas acontecerá, dependendo do
rumo dos acontecimentos. Os videntes então estariam acessando futuros
hipotéticos e quando erram, podemos dizer que acessaram o futuro
errado. No caso de Clarice, ela de fato acessou o futuro mas sua
própria ação o transformou num futuro errado, que não se realizou.
Pessoas
que acessam o futuro seriam então canais por onde os futuros hipotéticos
se revelariam à humanidade. Assim, aquele que vê o futuro carrega
consigo a responsabilidade de poder alterá-lo, bastando para isso
agir.
E
o que isso tudo tem a ver com a cena do dèjá-vu do filme? Tudo a
ver. Da mesma forma que o dèjá-vu em Matrix significa alteração
no sistema, o vislumbre do futuro já significaria por si só a própria
alteração no sistema do tempo linear. Talvez o Código da Bíblia
possa estar querendo nos dizer isso: que é possível sim que o futuro
se revele a nós. No entanto, ao mesmo tempo que ele se revela, ele
também nos oferece a senha para alterá-lo. Depende de nós.
Talvez
a humanidade esteja nesse momento na fronteira de um grande acontecimento.
Assim como Neo aprendeu a ser tão rápido que acabou vencendo o tempo,
o espaço, a lógica e todo o sistema, o ritmo de evolução tecnológica
atual, onde as transformações ocorrem em espaços de tempo cada vez
menores e cada vez mais, pode nos remeter a um ponto onde finalmente
venceremos o tempo. Quero dizer com isso que o compreenderemos de
uma forma nova. Não sei exatamente que forma poderia ser mas sei
que esse colapso do tempo (ou da nossa atual comprensão dele) parece
estar se aproximando, feito uma manada que ainda não vemos... mas
já sentimos tremer o chão sob nossos pés.
Para
terminar, faço como o Oráculo de Matrix. O que vai mesmo encucá-lo
é isso: se o dèjá-vu pode ser a súbita lembrança de um acontecimento
obscuro em nossa memória, por que ele não poderia ser também a lembrança
de um acontecimento futuro? (rk)
*
O código da Bíblia - Editora Cultrix
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O traidor: um autoboicote
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Neo e a individuação
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